Páginas

sexta-feira, novembro 21, 2014

O ermitão e a amante

“Se não for pedir muito, não seja tão pouco” ela repetia mentalmente cada vez que ele fugia do amor. Ela não sabia se sua intuição andava falha ou se era realmente verdade essa sensação falsa que ela sentia toda vez que ele maldizia as paixões.

Ela insistia em dizer que ele usava uma máscara barata de camelô, remanescente de um baile passado que ele decidiu levar para o resto da vida. Um Pierrot que amava a Colombina e foi trocado por um Arlequim. No carnaval de 1998.

Desde então ele foi fiel à cachaça, e só. Mas ela acusava-o: a cara de durão não sustenta três doses de Red Label, o galinha da noite se desfaz na primeira criança que ele pega no colo e as canções clichês já estão listadas no iPod, só esperando uma moça certa.

Essa fantasia de Pierrot Alcoólatra não colava mais, ela argumentava. Ele a encarava e não sorria. Consenso ou preguiça de discutir? Consenso ela garantia, mas sem sucesso em convencê-lo a trocar o amargo Campari por uma maçã do amor da quermesse.

Ainda ontem encontrou com ele no bar. Bem aprumado, copo cheio e olhar vago. Ela não se aguentou, pegou um guardanapo e escreveu “Eu não sei quem disse que não, mas o amor lhe cai bem, rapaz. Um sorriso no rosto também”, fazendo o garçom de porta-voz.

Não duvidou que ele tenha dado um sorriso de canto de boca quando leu o bilhete, mas não ficou pra ver sua reação. Gente que precisa de pouco amor não pode oferecer muito, aprendeu ela, depois de tantos carnavais.


sábado, novembro 08, 2014

escreVER


Senta.
Abre o Word.
Digita. 
Apaga. 
Digita. 
Distrai. 
Abre outra guia, lê uma crônica. 
Será que a Tati Bernardi sofre tanto pra escrever?
Coloca o chá de hortelã na fusão.
É sobre o que, mesmo? 
Amor? Saudade? Vontade? Tesão?
Beberica o chá.
Precisa de açúcar.
(o chá ou o texto?)
Escreve.
Tá clichê, apaga.
Mas o amor não é clichê?
O chá esfriou.
“O documento foi salvo automaticamente”
Salvo de quem?
A gente só quer escrever.
Pra se encontrar.
E pra se esconder.
De quê?
Se soubesse não precisava escrever.


terça-feira, outubro 07, 2014

Até amanhã (fica?)



Essa não é uma carta de amor, pra se declarar ou jurar um relacionamento eterno. Essa é uma carta de quem nem sabe o que é amor ao certo e de quem morre de medo dele. Essa é uma carta de quem só quer que isso dure até amanhã, mas que se for bacana e se estender até depois de amanhã, tudo bem também.

Eu sei que você mal chegou e já tá indo, mas eu e esse meu jeito de não saber dosar as coisas - ou demonstro muito interesse ou nenhum – queríamos que você ficasse mais um dia, só pra ver que as primeiras vezes são meras encenações de pares perfeitos.

Fica mais um dia pra ver que eu adoro futebol-e-cerveja, sei a regra de impedimento e a escalação do meu time. Pra ver que eu canto mal pra caramba e é exatamente por isso que eu adoro um karaokê. Pra ver que eu não tenho muito traquejo social. Pra ver que sou brega e ouço Fagner fazendo coreografia. Pra ver que quanto mais sem graça é a piada mais eu gargalho.

Fica pra amanhã a gente rir de hoje e mesmo sem intimidade nenhuma travarmos uma briga sobre quem de nós dois é mais idiota. Vamos bradar argumentos de defesa e acusação alternados com travesseiradas e risos escandalosos. Depois vamos diminuir a euforia e pensar que tudo isso é muito bom, mas nossa oposição de ideias políticas nos mantém certos de que isso não vai longe demais.

Fica pra deixar mais chances para a saudade aparecer e daqui 10 anos a gente se perguntar “era bom, porque aquilo não deu certo?”. Fica pra deixar arestas para a gente aparar sem compromisso em alguns encontros no futuro. Fica pra você ter mais argumentos para ir embora e pra dar tempo de levar mais alguns sorrisos embrulhados pra viagem, pode ser que você precise deles no caminho.

quinta-feira, setembro 11, 2014

A fragilidade do nunca mais



Hoje eu acordei sem noção de onde havia dormido. Ainda estava zonza da noite anterior e a primeira coisa que veio a cabeça foi o arrependimento por ter exagerado na vodca. Eu já devia ter aprendido que ela age de forma potencializada no meu corpo.

Olhei pra o lado tentando me localizar e te achei dormindo com uma cara cheia de paz. Naquele momento os efeitos da ressaca se multiplicaram por 10. Não acreditei que eu tinha feito aquilo, recair depois de tanto tempo me mantendo firme era um absurdo. Então lembrei que ontem o absurdo era eu não obedecer ao que eu queria. Estava indo tudo tão bem, sabe?! Eu nem ouvia mais a nossa música tocando, já achava que o Cazuza tinha razão.

Continuei te olhando e relembrando cada motivo que tinha me feito entrar e sair da sua vida. A fala calma, o sorriso lindo e uma penca de divergências que nos fazia disputar argumentos com mais rivalidade que um FlaxFlu. E percebi que esses eram exatamente os mesmos motivos que me fizeram sentar ontem ao seu lado, com pose de bem resolvida e ao mesmo tempo com tanta saudade do seu abraço.

Pensei que esse clichê de amor e ódio deve ser mesmo verdade, andam tão juntos que deveria ser amoreódio, assim, numa palavra só. Eu sei que Hollywood já explorou esse tema com exaustão, mas a dúvida sobre o que fazer continua sendo um roteiro atual, e eu não sabia se me aninhava nos seus braços ou se saía pé-ante-pé, rezando para que a vodca tivesse me presenteado com uma amnésia alcoólica em você.

Por fim eu decidi que ir embora seria a coisa mais sensata (não a melhor) a se fazer. Conferi sua estante de discos mais uma vez, para continuar não ouvindo nada que me lembrasse de você, vi sua coleção de filmes - muito maior que antes - e decorei alguns títulos para assistir depois. Quando estava quase fechando a porta te olhei de novo e consegui entender: as pessoas passam, mas um pouco delas ficam na gente. Voltei e te deixei um beijo na testa, to levando seu cheiro comigo.




quarta-feira, julho 09, 2014

Voz viva


Eu acabei de descer do táxi e ainda não consigo digerir bem essa coincidência. Tanto tempo que não ouço falar de você, que eu não poderia imaginar que sua lembrança me apareceria assim, tão do nada, no meio da minha pressa e de bagagens pesadas, tentando não perder o ônibus.

O radinho do táxi estava alto, como sempre, e no meio da minha distração eu ouvi sua voz, pedindo um carro no endereço que eu sabia de cor. Mas eu nem precisava saber, a lembrança da sua voz ainda era viva o suficiente em mim, suficiente para que eu a identificasse no "alô". Naquela hora eu parecia estar com uma meia sufocando minha respiração enquanto as mãos suavam demasiadamente.
Eu acabei de chegar à rodoviária e já estou acomodada na poltrona do ônibus, mas minha cabeça foi embora junto daquele táxi. E eu não paro de imaginar como seria chegar à porta da sua casa dentro dele. Como você reagiria? O que eu falaria?

Faltam poucos passageiros para partirmos, mas meu coração ainda ta ressoando aquele endereço, aquela voz. Ta no repeat, toda hora eu fecho os olhos e ouço de novo, igual eu faço quando quero memorizar uma música. Para onde você estava indo? Não era para estar trabalhando? Será que você ta de férias e também estava indo viajar? E se eu descesse do ônibus e esperasse?

O ônibus já começou a andar e eu ainda estou imóvel. Meu coração ainda está acelerado como se toda nossa confusão tivesse acontecido ontem. Porque eu não peguei o outro lado da linha e respondi: "olha, sou eu, te amo, ainda quer voltar?". Mas eu já to indo embora, sabendo que eu agi certo, mas sem conseguir ser eloquente o suficiente convencer alguma parte de mim disso.

Já estou quase chegando, já passou a estrada toda e meu pensamento vaga sem sentido. Eu descobri que sei nada mais sobre seus passos, que você não sabe mais que discos eu ouço e que dificilmente a gente vai ter coragem de se ligar para saber do outro, por mais que não falte vontade. Resta-nos apenas aceitar que esse amor foi tão aleatório quanto tomar um táxi, tão breve quanto uma corrida e tão caótico quanto a hora do rush.

sexta-feira, junho 06, 2014

Jaz


Dribla o risco de vida
Egoísmo da semi-vida
Briga com o seguro de vida
Fim do ciclo da vida
Na dúvida sobre os paradoxos da vida
Sobra a morte...
Poxa vida

terça-feira, abril 22, 2014

Mini conto sobre dor, amor e amigos

Augusto hoje me chamou para tomar uma brisa. Nessas horas a gente guarda toda inércia que nos faz querer ficar em casa e vai, porque ver o mar acalma e um pedido amigo não se nega. Quando a gente ta mal, a gente pede aos céus alguma forma de passar por cima disso, e pra quem acredita, essa ajuda vem. Pra mim veio pelo meu amigo, que não me disse nenhuma palavra de conforto, mas me fez descobrir que, por vezes, nossas dúvidas não precisam de respostas imediatas.
Augusto também tinha uma dor, que eu não sei precisar na escala de dores se era maior ou menor que a minha. Mas não era a minha, o que me fez facilmente discorrer uma longa explicação do porquê a gente precisa passar por aquilo. O Augusto não ouviu, chorava demais para ouvir aquilo. E eu me surpreendi ao perceber que eu falava tanto era para mim mesma.
Deixei o Augusto com outro amigo e voltei pra casa pensando sobre as dores que a gente passa. Depois dessa tarde a minha é menos pesada. Não por que eu a dividi com alguém, mas por que, mesmo contrariando a matemática, ao somá-la a outra, ela diminuiu.
Augusto acha que agora ele precisa de um porre, uma viagem e um novo amor. Também acho que ele precise. Mas desejo, de verdade, que ele encontre alguém com outra dor para somar, e respirar um pouco mais aliviado ao entender o que eu entendi hoje.


quinta-feira, março 27, 2014

Talvez o fim

Para ler ouvindo



Não vou procurar seu cheiro pelos lençóis, porque é certo que vou encontrar. Aliás, preciso anotar na agenda de colocar toda a roupa de cama na lavanderia. Em períodos de abstinência não posso correr o risco de te achar perdido por aqui. As fotos já foram. Não viraram cinzas porque não queimo o passado, mas saíram do mural e foram morar em uma caixa junto a outras experiências mal sucedidas.

Já fumei mais que devia hoje. Eu sei que te jurei parar, mas ou eu me afasto de você ou do cigarro, dos dois eu não aguentaria. Sei que meu coração tá frágil, bateu mais que o normal dias atrás, mas o doutor não soube me dizer se foi saudade ou algo menos sério.

Já tomei meu chá da noite, por mais que preferisse que fosse uma cerveja naquele bar que a gente sempre frequentou e hoje não vamos mais, um com medo de encontrar outro. A separação é realmente confusa. Você também se confunde entre tentar se esconder e ser feliz?

A felicidade ainda mora aqui. Minha gargalhada ainda é escandalosa, não se preocupe. Falta algo que talvez nem seja você, ou nem seja pra ser suprida. Talvez nem fosse pra ser. Talvez o tempo tenha falhado, ou talvez ainda, esteja em um acordo com o destino, preparando algum outro ‘talvez’ mais exato.

Tanto talvez que no fim não deu certo. Mas, tenho certeza, não ter fim também não daria. 

segunda-feira, março 10, 2014

Escarcéu

Logo o mar
Que do doce sempre se origina e a cabeça lhe desatina,
Ao léu
Logo a maresia
Que úmida e fina lhe domina
E lhe faz réu
Logo a traquina
Com pose de bailarina, que nunca declina
E quer o céu
Logo ela
Que sempre desafina, mas virou maestrina
Em cima do bailéu
Logo essa menina
Que arde como uma tristeza fina, em minha rima submarina,
Virou troféu.

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Monólogo dos quereres

Desculpe-me começar falando assim, sem floreio nem rodeio, mas há tempos uma dúvida me angustia: o quanto de beleza há no querer? Um querer desses cheios de certeza. Querer, moço, sabe como? Como quem quer um sorvete de chocolate em um dia calorento. Não, não é amar. Amar é outra coisa. Diferente, muito diferente. Amar é precisar. Eu não preciso, eu quero! Hã? Não há doçura? Pois pra mim só há. O que é mais livre: necessitar ou querer? Pois pra mim o querer é desprezado. Conheço quem ama sem querer, mas não é lindo querer amar? Não? É sim. O querer assume todos os riscos do que quer. O amor não! As pessoas amam o que a sorte diz, o querer quer o que escolhe, simples né?! Não, não é assim, não é um querer simples é "querer querer", "querer bem", "querer estar perto", conheço tanto amor que não quer, que não se suporta mais. Ainda há amor, mas falta o querer. Querer é escolher estar, mesmo que não haja nenhuma amarra que faça ficar. Não é magnífico? E quanto ao não querer? Ele é o maior desamor que existe, não concorda? Pois quando se ama e não se quer, não adianta mais o amor. Tô sendo racional? Talvez. Mas pra mim o querer é colorido, cheiroso e tem muito valor. Não acha, moço? Ei, volta aqui, me ajuda, não acabaram minhas indagações. Você não quer ouvir mais? Espera, ainda tenho outra dúvida, moço: E afinal, querer é poder?

quinta-feira, janeiro 30, 2014

Novos anos

Anne Frank
Todos os anos minutos antes do réveillon eu fico com uma angústia de deixar aquele ano ir embora. Bom ou ruim o apego com aquele jeito de fazer as coisas me ronda e me questiona se é mesmo preciso mudar tudo completamente. Mas eis que chega a contagem regressiva, e aquele coro do 10 ao Feliz Ano Novo empurra todo o medo pra lá e enche o peito de uma vontade de fazer tudo diferente.

Tenho minha relação íntima com o ano novo, e um misto de amor e ódio com mudanças. Algo mais incerto que desejar mudar e morrer de saudade do que já passou? Mas são de réveillons que vivo minha vida. É réveillon toda vez que eu estou diante de uma grande mudança, a decisão sufoca até começarmos a contar os segundos e depois alivia.

Réveillon é recomeço, e recomeçar é continuar sendo você, só que de outro ângulo. É fazer de cada primeiro de janeiro uma renovação e de cada dia um novo primeiro de janeiro. É ir, vir, voltar, contornar, (re)voltar e ainda se reconhecer nessa confusão que é sermos nós mesmos.

Hoje é o ano novo chinês. Amanhã também é réveillon, o de fevereiro. No próximo domingo é réveillon da semana e toda noite é um pequeno réveillon.  O que importa, na verdade, é ser novo, seja o ano, o mês, a semana, o dia ou a atitude.

 "Ano novo/ Anos buscando/ Um ânimo novo” - Leminski.