Há meses entro em conversas polêmicas sobre algemas, sexo e Christian
Grey com homens e mulheres que leram ou não a trilogia mais famosa de
2012. Confesso que esperei passar o boom
do 50 Tons de Cinza para escrever sobre, e aproveito o gancho da semana do Dia
Internacional da Mulher para falar fazê-lo.
Li apenas o primeiro livro, muito mais pelo sucesso que ele fazia
que pela vontade de lê-lo, furei a extensa fila de livros para entender do que
tanto se comentavam. Deparei-me com uma leitura simples e cheia de clichê, com
personagens que na vida real seriam bem difíceis de encontrar. Não devorei as
páginas do voraz romance entre a jovem virgem e o rico e belo Grey. Li, na
velocidade com que leio qualquer livro, e ainda achei que o final “do nada” do
primeiro livro uma grande sacada de vendas para o segundo, como uma novela de
sábado que termina com um suspense para que você não deixe de assisti-la na
segunda feira.
Independente do grau de experiência sexual da leitora, é sim
uma estória que te deixa encabulada, em muitos momentos. Todos os detalhes nos
fazem viajar pelo corpo do empresário bem sucedido e cheio de tesão, mas funciona
quase como uma fábula. Ter um Christian Grey na vida real pode ser bem menos prazeroso
que ler sobre ele, tal como seria um grande episódio de loucura presenciar um príncipe conversar com uma raposa. Tem coisas que só funcionam no
mundo da fantasia, e esse romance entra no mesmo hall dos contos de fadas, dos filmes de vampiros e seriados de zumbi.
Ninguém quer no mundo real caçar vampiros, voar na vassoura
do Harry Potter ou ver a abóbora virar carruagem. E isso nunca nos impediu de,
ainda que não fizesse parte do nosso mundo, gostar e tirar lições dessas
estórias.
Defendo aqui, o livre direito das
pessoas terem gostado do livro mesmo sem querer entrar em um quarto vermelho da
dor. O livro traz lições nas entrelinhas. Nos identificamos com a Anastasia Steele porque, tenho certeza, pelo menos uma vez na vida já
vivemos o dilema do amor e da dor no mesmo homem. TODAS nós já levamos “palmadas”
de companheiro e ainda assim continuávamos nos apaixonando. Basta ver o quanto
nós gostamos de homens cafajestes. Talvez o sexo violento do livro tenha nos
lembrado que nosso processo de se apaixonar funciona do mesmo jeito “entre
tapas e beijos”.
Por fim, embora seja para mim o ponto mais
importante do sucesso do livro, estamos vivenciando uma das maiores
demonstrações de quebra de paradigmas sexuais femininos. A nossa sociedade, que
até 40 anos atrás a mulher era desonrada se não casasse virgem, está vendo
mães, avós e filhas lerem um pornô em praça pública, sem o mínimo pudor.
Gerações femininas da família comentam sobre sexo na mesa do almoço de domingo,
usando o livro como ruptura desse tabu.
Entre as conversas sobre a trilogia, as
mulheres estão falando sem medo suas preferências. Estão se permitindo
experimentar um sexo diferente do papai e mamãe santo que os tradicionais
falam.
Cada leitora desse livro é, provavelmente,
menos uma mulher no mundo que vai morrer sem conhecer o orgasmo. Não porque o
livro é a bíblia do sexo, mas porque ele provoca, ele deixa com a pulga atrás
da orelha, ele mexe com a nossa libido e nos mostra prazeres de diferentes
formas. Teremos mulheres mais satisfeitas, homem saciados, menos medo de tocar
no assunto sexo dentro de casa, mais liberdade da mãe conversar com filha.
Se esquecermos toda desconfiança sobre a
qualidade do livro, nos deparamos com mais de 50 tons de liberdade, e ganhamos uma sociedade de cabeça menos
fechada. Afinal, foi isso que esse século sempre prometeu.